Ainda sobre a Lola

Não interessa ao mundo, bem sei. É difícil encarar a morte e o luto dos outros. Até porque nos lembra o nosso. Dói. Não queremos que doa. Sobretudo agora que começa o bom tempo. Vivemos num tempo de gente feliz, é feio expressar infelicidade. É por isso que anda tudo doido. Digo eu, mas o que sei? Pouca coisa. E isto não é retórica. Tenho mesmo aprendido isso com o passar dos anos. E depois é um luto de um animal. De uma cadela, no caso. É ainda mais difícil de entender talvez.

Esta imensa perda, esta partida interessa-me a mim, e isso basta-me para escrever. A Lola morreu e isso ainda me despedaça. Sobretudo à noitinha, quando olho as estrelas, e me lembro daquele telefonema horrível para me dar a notícia, depois quando me vou deitar e quando acordo, invariavelmente de madrugada, e volto a ver a estrelas, se o céu do Oeste não tiver decidido pregar-me uma partida e estiver tudo coberto por nuvens brancas ou cinzentas escuras, apesar de já ser maio.

Despedaça-me pelo absurdo de aqueles olhinhos castanhos cheios de meiguice já não me esperarem de cada vez que abro a porta, mesmo que tenha saído há cinco minutos. E não lambam a Ema com um amor incondicional, de uma meiguice linda de ver, desde que estava dentro de mim. A Lola, que tinha medo, pânico mesmo, de bebés quando chegou às nossas vidas. E… foi entre ela e o Tango que a Ema deu os primeiros passos. 

A Lola que veio a correr desenfreada para os meus braços mal me viu a primeira vez junto ao elevador de casa da Klau, como se soubesse que vinha connosco para casa. tinha dois meses. Merda.

O Tango recebeu-a como dele. Imediatamente. E para sempre. Passaram a ser a Lola e o Tango. Ela faz-lhe falta, é bem evidente. E ao Simba, que ficou em Lisboa com a Gabi. Adotou-o em bebé, quando chegou do Alentejo. E lambia-o sempre que chegava de casa do vizinho até à exaustão, ou até ele lhe dar uma patada e ficar ela a ganir.

A Lola adorava pessoas. Metia-se com muita gente. Com uma menina chamada Mimi, com o senhor, Zé que lhe dava bolachas, contra minha vontade. Uma vez disseram-me "nota-se que é tão feliz a passear!", pela forma como abanava a cauda. Chegou por mais de uma vez a fugir na direção de casa quando foi passeada por outras pessoas, durante ausências minhas. Gostava de cumprimentar, mas rosnava se outros se metiam com ela. Foi atacada várias vezes por outras cadelas. Era muito submissa. Notava-se o abandono pela necessidade imensa de festas, pelo medo de comer sozinha. Muitas vezes tínhamos de estar ao pé dela. Às vezes,  não queria ir à rua, sobretudo à noite. Tinha preguiça. Mandava no Tango. E ele nem parece o mesmo desde que ela partiu. Ainda por cima, foi comigo ao veterinário deixá-la, para ela melhorar. Eu queria que ela se sentisse segura e estava tão longe de imaginar o desfecho. Como é um luto de um cão? Existe? 

Deixámos uma reclamação na Nobrevet, depois de tudo. RIDÍCULO, bem sei.

O Tango perdeu a irmã mais nova. A companheira de todas as horas. Mesmo quando ele queria espaço, se estivesse com calor, por exemplo, a Lola não lho dava. Andava sempre em cima. Até lhe punha a pata em cima da cabeça. E ele... ele deixava tudo. Ocupar a cama grande. Ficar na almofada mais alta. Lola. Lola e Tango. Que sabemos nós, humanos, de amor ou companheirismo? A julgar pelo atual estado das coisas, pouco, muito pouco. A Lola não está e o mundo, o meu, é mais triste sem ela. O nosso. O de todos nós cá em casa. Antes, o Tango não gania. Agora acontece de vez em quando. Mas é preciso continuar. Ele e a Ema estão a aprender a conhecer-se. A entender-se. Aos poucos.­­­­­­

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