Vizinha
Uma carteira pequenina. Verde, com forro. Perdi-a, infelizmente. Essa foi a primeira peça que a nossa vizinha, a única a viver no Bloco J na altura além de nós, me ensinou a fazer. Não tenho a certeza do nome dela, se é Manuela ou Teresa, porque para mim, desde que me conheço, teria uns sete ou oito anos quando nos mudámos para lá, foi sempre a vizinha.
A vizinha com quem a minha mãe me deixava quando precisava
de ir fazer alguma coisa ao centro da cidade. Era meiga e generosa comigo a
vizinha. Os cabelos já brancos na altura, geralmente apanhados, magra, enérgica
e com uns olhos azuis muito bondosos. Sei que tinha vindo da Bemposta, a
freguesia onde fui registada apesar de não ter nascido lá, para ser nossa
vizinha. Mas tinha também voltado com o marido, os dois filhos e a sogra, de
quem cuidava, de Angola. Desconheço as circunstâncias mas a decoração da casa denunciava
essa vida deixada às pressas antes de para ali ir.
Passávamos muito tempo no seu ateliê de costura improvisado
numa das varandas, quando eu ficava com ela. Os meus irmãos ficavam também muitas
vezes sozinhos comigo, porque a minha mãe ia passar uns dias à nossa outra casa
na aldeia, onde o meu pai estava sempre, e também eles me deixavam com a
vizinha quando tinham de ir a algum lado. Para me entreter, a vizinha, que
fazia a sua vida da costura, ensinou-me o ofício, além do tricô, o único que
aprendi na infância. E começou com essa tal carteira verde, pequenina e
perfeitíssima a que desconheço o destino. Talvez por isso, quando agora voltei
a costurar já depois de a Ema nascer, comecei por uma carteira, a partir de
ganga de umas calças pretas que deixaram de servir à Gabriela.
É graças à vizinha que consegui fazer as minhas mantas de
trapos costuradas à mão e as minhas bonecas. Antes, durante toda a vida, fiz
muitas vezes as bainhas das minhas calças, sempre demasiado compridas. Era ela
claro quem mas fazia quando eu vivia em Abrantes.
Estive com a vizinha poucos dias depois de lhe morrer o
marido na última vez que fui à cidade onde nasci e cresci. Chorámos juntas as
nossas perdas e mortes e saudades. E não sei se lhe disse, não tenho certeza,
do quanto tenho a agradecer-lhe. Por tudo o que foi para mim. É parte das
minhas raízes e do que encontrei de bom no mundo.



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