Tia Etelvina


Nunca a conheci sem ser vestida de preto. E conheci-a quase quando me conheci a mim. Era com ela que a minha mãe me deixava quando ia para o campo trabalhar no Verão, nas férias dos meus irmãos mais velhos.

Lembro-me – é mesmo incrível a memória - do careca que a minha mãe, a Maria Poça, como lhe chamavam na aldeia, me trouxe quando me veio buscar a casa da minha tia Etelvina, não sei quanto tempo depois de me deixar lá. Ainda mal conseguia andar e o boneco, que chorava e tudo, um grande avanço para a altura, parecia-me gigante, maior do que eu.

Passara todo um Verão em casa da minha tia que nessa altura ainda tomava conta dos meus avós velhinhos. Lembro-me de ir com a minha avó Vitória à mercearia e de ela, zelosa do seu dinheiro, me deixar escolher a boneca mais barata que lá estava. Lembro-a rápida a caminhar, muito pequena e espevitada. E lembro-me do meu avô Domingos já cego e quase sem conseguir andar. O esmero com que ambos foram cuidados pela filha era digno de ver, porque também há gestos bons no mundo.

A minha tia Etelvina era viúva havia muitos anos. Creio que desde os seus 25, tinha ela ainda os filhos pequenos. Nunca mais deixou de vestir de preto e de usar lenço na cabeça. Só agora, nem sei quantos anos depois, lhe vi os cabelos já brancos pela experiência dos seus 80 e muitos anos.

A minha tia Etelvina sempre foi muito meiga e cuidou imenso de mim. Com aqueles mimos que os tios fazem, não os pais. Ainda hoje me fala como a uma gaiatinha. Falamos de vez em quando ao telefone. Não do tempo em que ela dizia que vinha o velho do saco se eu não dormisse – como se isso desse sono a alguém, valha-nos deus – mas muito da Ema e de quanto ela se parece com o meu pai, o seu irmão mais novo. Temos muitas memórias e, através da Ema (além de toda a família, claro), falamos também do futuro. Sei que onde estiver o meu pai zela pela irmã.

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